ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 22
Janeiro a Abril de 2014
 
   
 
   
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Impasses e potencialidades no processo de Reabilitação Psicossocial: Um relato sobre o Programa PAI-PJ

 
     
 

Routes and potentialities in the process of Psychosocial Rehabilitation: A report about PAI-PJ Program



Vanessa Ferraz do Amaral
Graduada em Psicologia pela Universidade FUMEC
Membro da Liga Acadêmica de Psicanálise da FCMMG
Ex-estagiária do PAI-PJ e do Programa de Atenção Psicossocial Freud Cidadão
E-mail: vanessafda@gmail.com

Resumo:O presente artigo visa abordar o contexto da Reabilitação Psicossocial de pacientes portadores de sofrimento psíquico e delimitar quais são os impasses e potencialidades encontrados neste processo segundo o referencial teórico da Psicanálise e da experiência de estágio no Programa PAI-PJ (Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário). Fazendo um aparato das experiências vivenciadas e desenvolvendo a temática do manejo com portadores de sofrimento psíquico no contexto do desenvolvimento de laços sociais, pretende-se acrescentar conhecimento e mudanças decorrentes dessa prática, mudanças estas, que auxiliarão no aprimoramento sobre aquilo que se entende como “Re-habilitar”.

Palavras-chave:Reabilitação Psicossocial, PAI-PJ, Psicanálise.

Abstract: This article aims to address the context of Psychosocial Rehabilitation of patients with psychological distress and define what are the bottlenecks and potentialities found in this process by theoretical framework of psychoanalysis and the experience in PAI-PJ Program (Integral Care Program to the Judiciary Patient). Making an apparatus of lived experiences and developing the theme of management with people with psychological distress in the development of social ties, the intend is to add knowledge and changes resulting from this practice, these changes, which will help in improving about what we understand about "Re-enable ".

Keywords: Psychosocial Rehabilitation, PAI-PJ, Psychoanalysis.

 
 


“É possível tratar certa periculosidade: aquela que é produzida pela ausência de políticas públicas de atenção a esses portadores de sofrimento mental. Essa periculosidade é efeito do abandono, é ausência de tratamento ao sofrimento psíquico, é carência de recursos. É o efeito de uma política que segrega.” (BARROS, 2010)

RE-HABILITAR

“Re-habilitar”, segundo podemos encontrar no dicionário MICHAELIS (2014), provém do Latim rehabilitatio: “restauração, recuperação”, particípio passado de rehabilitare, formado por re-, “de novo”, mais habilitare, “adequar”, derivado de habilis, “fácil de adaptar, apropriado”:
(re+habilitar) vtd 1 Restabelecer no estado anterior; restituir (a alguém) os direitos e prerrogativas que tinha perdido (...) vtd 2 Declarar inocente (o sentenciado). vtd 3 Restituir à estima pública, à estima de alguém (...) vtd 4 Regenerar moralmente (...) vpr 5 Obter a sua reabilitação (...) (MICHAELIS, 2014)

Para os propósitos deste artigo, é importante delimitar qual é o propósito de reabilitar. Benedetto Saraceno (1996) coloca que, desde a primeira Guerra Mundial, quando o foco das ciências políticas não eram apenas físicos, mas também psicológicos, a noção de inclusão aparecia então como eixo central do trabalho de reabilitar. Relacionados a este termo, as noções de normal e anormal aparecem, bem como as de produtivo e de não produtivo. Saraceno (1996) coloca ainda, que é possível considerar a reabilitação psicossocial como um “processo pelo qual se facilita, ao indivíduo com limitações, a restauração no melhor nível possível de autonomia de suas funções na comunidade”. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1987, definiu a Reabilitação Psicossocial como “(...) o conjunto de atividades capazes de maximizar oportunidades de recuperação de indivíduos e minimizar os efeitos desabilitadores da cronificação das doenças através do desenvolvimento de insumos individuais, familiares e comunitários” (PITTA, 1996). Ela é então, um processo que facilita a oportunidade para indivíduos – que são prejudicados, inválidos ou dificultados por uma desordem mental – alcançarem um ótimo nível de funcionamento independente na comunidade. De modo suscinto, é possível dizer que há condições de melhora, se o apoio da rede social for ampliado. Assim, o processo de reabilitação pode ser visto como “reconstrução, um exercício pleno de cidadania e, também, de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social” (SARACENO, 1996)

A psicanálise, por sua vez, trabalha com a responsabilização, termo que interessa a este artigo. E, como abordaremos aqui situações que envolvem sujeitos psicóticos, é importante lembrar que Jacques Lacan (1955-1956/1985) no seminário As Psicoses nos orienta: a psicanálise não pode recuar diante da psicose, axioma que sustenta o trabalho daqueles que acreditam ser possível ousar e incluir os tidos como “descartáveis” ao nicho da vida, no âmbito mais ordinário. As relações simbólicas presentes no universo da socialização estão sempre envoltas com interações e as referências, construídas em cada caso, se formam a partir dessas interações. Em seu livro Ser e tempo, o filósofo alemão Martin Heidegger, (1889-1976) citado por Tittanegro (2006) afirma:
Chamamos de significância, o todo das remissões dessa ação de significar. A significância é o que constitui a estrutura do mundo em que a presença já é sempre como é. E o que está no mundo é o que está à mão ou o manual. O que está à mão serve para alguma coisa e a serventia é sua referência.

Tratando-se de Reabilitação Psicossocial, é preciso pensar nas interações que um sujeito psicótico pode vivenciar mediante á produtividade que nos é exigida pelo cotidiano, estando ele, o psicótico, envolto num laço que, embora frágil, pode partir de suas próprias potencialidades, de seus pontos fortes ou mesmo de suas limitações. O que não exclui a riqueza proporcionada pela vivencia singular de cada um.

O TRABALHO DO PAI-PJ COM O CHAMADO “INIMPUTÁVEL”
No artigo 5º da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), dentre outras coisas é possível extrair os seguintes trechos:

Art 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(...)
Embora claros, esses trechos podem ser interpretados de diferentes formas. No entanto, no presente artigo, o objetivo é demonstrar como os cidadãos estão submetidos às mesmas regras, e possuem os mesmos direitos. Loucos, ou não. Desse modo, é então introduzido o trabalho realizado pelo PAI-PJ que é parte integrante do “Programa Novos

Rumos” do Tribunal de Justiça de Minas Gerais pode ser introduzido. O Programa, basicamente, acompanha o cidadão que responde à um processo criminal por ter cometido um crime em situação de sofrimento psíquico: “Quando estas condições estão dadas, seja na fase de inquérito, de instrução ou de execução, o caso pode obter autorização do juiz para ser acompanhado pelo Programa.” (PAI-PJ – TJMG, 2015)
A partir do encaminhamento, uma equipe interdisciplinar - constituída por profissionais das áreas de direito, psicologia e assistência social - articula-se para atender o caso. O trabalho do PAI-PJ está totalmente vinculado à rede de serviços oferecidos à população, o que inclui não somente os hospitais gerais e psiquiátricos, mas também os Centros de Saúde, os Centros de Convivência, os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e CERSAMs (Centro de Referência em Saúde Mental1) e ainda os Serviços Residenciais Terapêuticos. O profundo diálogo da equipe promove um intercâmbio epistemológico interdisciplinar imprescindível para a realização do trabalho de desinstitucionalizar e desmistificar a loucura no contexto social e cultural e resgatar a cidadania de pessoas estigmatizadas.
Mas, afinal, quem são os considerados inimputáveis pela lei? Segundo o Dicionário de Direito e Fundamentação (2015), nos artigos 228 da CF (Constituição Federal), 26 a 28 do CP (Código Penal), 397, II do CPP (Código de Processo Penal) e Art. 492, II, "c" do CPP, inimputável
é a pessoa que será isenta de pena em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que, ao tempo da ação ou omissão, não era capaz de entender o caráter ilícito do fato por ele praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. São causas da inimputabilidade: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) menoridade; c) embriaguez completa, decorrente de caso fortuito ou força maior; e d) dependência de substância entorpecente.
Nos casos em que é constatada a inimputabilidade, o sujeito pode ser submetido ao regime da medida de segurança2, onde,

1 Nome dado aos CAPS em Belo Horizonte
2 Medida de segurança: tratamento a que deve tratamento a que deve ser submetido o autor de crime com o fim de curá-lo ou, no caso de tratar-se de portador de doença mental.

o período de internação deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia e da razoabilidade, não ultrapassando o limitado pela pena máxima abstrata, ou seja, a pena máxima que o crime correspondente atribui ao delito praticado” (MORAES, FRANCISCHETTO, 2014)
Desse modo, o PAI-PJ aborda questões da invisibilidade social dos inimputáveis, e que podem ser destinados a manicômios judiciais, por exemplo. Nestes locais, muitos sujeitos permanecem até o fim de seus dias. Este Programa atenta-nos para a importância de ações que visam conscientizar a população acerca da necessidade de se alterar o quadro fático a que estão expostos os inimputáveis. Além disso, representa um dispositivo para a ressocialização dos doentes. Jacques-Alain Miller (2014) nos ensina que “nada é mais humano que o crime”. Afinal, quem não é capaz de cometer atos terríveis quando tomado de sentimentos insuportáveis? Para a equipe do PAI-PJ, o interessante é o caso a caso, diante do qual, um projeto é desenhado considerando suas particularidades. A equipe entra oferecendo um lugar de escuta e acompanhamento, que permite ao sujeito enunciar a direção que lhe convém para tratar seu sofrimento, seguindo a lógica da singularidade de cada caso e as respostas de cada sujeito.
O AT, O PAI-PJ E A PSICANÁLISE

O Acompanhamento Terapêutico (A.T) é um dispositivo essencial para a manutenção do trabalho do PAI-PJ3. Os acompanhantes estão na posição de alguém que tem um contato muito intenso com os acompanhados, que circula com eles nos espaços de sua existência e que, por mais que possam se diferenciar segundo suas respectivas orientações teórico-clínicas, eles têm uma visão privilegiada do paciente, pois podem trazer informações precisas e valiosas para a equipe. Essas informações favorecem o desenvolvimento das potencialidades do sujeito, ajudando-o a diminuir suas inibições, sendo então, nesse sentido, agentes de ressocialização. Pode-se afirmar, a partir da nossa experiência, que o AT não tem uma tarefa fácil, pois nele enfrenta-se o real efeito da segregação e do abandono. Não é simples o processo de inserção de pacientes e seu retorno ao contexto social, principalmente aqueles que viveram longa internação. Geralmente, essa dificuldade é fruto da própria lógica manicomial, que

rompe quase completamente os laços do sujeito com a sua família, sua cidade, seus recursos de convivência próprios e sua cultura familiar e social. Sujeitos que viviam penas com aquilo que os segregava, sem roupas próprias, sem visitas, sem conhecimento da vida lá fora, apenas sós. Depois de muito tempo, construir laços é difícil, mas é essa a aposta! O próprio desejo do sujeito, o seu projeto, são os guias rumo ao seu retorno de volta pra casa, inclusive nos casos em que se pensava impossível a saída do manicômio. Não há respostas prontas para este trabalho, sempre reinventamos a cada caso, junto com o sujeito que agora toma a palavra. É muito gratificante ver um sujeito melhorando, conversando, arrumando os cabelos, ou simplesmente fazendo compras no supermercado como se fosse a primeira vez. No trabalho do PAI-PJ, é preciso suportar situações inusitadas, onde a inventividade dos profissionais são ingredientes fundamentais para que seja possível acontecer o trabalho. Sobre a experiência dos ATs, uma das maiores dificuldades passíveis de enfrentar é realizá-los sem uma demanda dos sujeitos diretamente endereçada á psicanálise. O manejo da transferência4 é algo muito delicado, tendo em vista que muitas vezes os ATs realizam seus trabalhos em ônibus, praças, ao lado de outras pessoas, em salões de beleza e em outros inusitados lugares públicos. É necessário aprender a lidar com olhares curiosos,.comentários e especulações sobre o trabalho do Acompanhante Terapêutico. É necessário também um manejo com as famílias, que muitas vezes são ao mesmo tempo sustento e algozes dos pacientes e dos seus tratamentos. No trabalho de acompanhamento terapêutico, surgem à tona sintomas e angústia por parte dos próprios acompanhantes e, então, para lidar com essas dificuldades, a tríade “teoria - supervisão – análise” é imprescindível: para que estejamos aptos a lidar com as loucuras e dores alheias, temos também que cuidar de nós mesmos.

Aqueles que são atendidos por ATs apresentam, além de suas questões subjetivas, dificuldades singulares, presentes no contexto mesmo da inclusão social. Diante de tantas histórias de vida concretas, desenvolve-se uma escuta apurada que enriquece e complementa outros tipos de atendimentos, sejam eles psicoterápicos, medicamentosos ou ainda a toda a rede de cuidados. Considerando essa proposta de reinserção social precisamos perguntar: o que fazer “para que o AT não funcione como um ideal a ser imitado, mas, ao contrário, impulsione um trabalho de autonomia do sujeito?” (SANTOS, MOTTA, DUTRA, 2014)



3 O AT é uma modalidade clínica de tratamento das psicoses que surgiu na Itália, no período em que Franco Basaglia articulava a Reforma Psiquiátrica. Não só no Brasil é amplamente utilizado em outros casos no campo da saúde mental.

4 Na Psicanálise, a transferência é um fenômeno que ocorre na relação entre o paciente e o terapeuta, quando o desejo do paciente irá se apresentar atualizado, com uma repetição dos modelos

Sob essa perspectiva, o AT aparece como alguém que se oferece como um modelo, emprestando muitas vezes seus próprios desejos, servindo de anteparo ao alienado, num difícil movimento, “já que se trata de um paciente para o qual os recursos terapêuticos tradicionais falharam.” (SANTOS, MOTTA, DUTRA, 2014)

As intervenções da e na família, implicam questões cautelosas, mas importantíssimas capazes de ampliar os laços primordiais do sujeito, bem como auxiliar na recuperação de suas habilidades nas ações cotidianas.
O cidadão não se resume a estar na cidade, o sujeito pode participar, construir e reconstruir, estar apto a tomar decisões. Orientados tanto pela reforma psiquiátrica quanto pela clinica psicanalítica, o PAI-PJ é uma estrutura bem organizada que funciona como mediadora desse processo.

Há um paralelo entre a rede articulada pelo SUS e o trabalho do PAI-PJ, sem a qual não seria possível que fossem gerados bons frutos. As opções que se apresentam a partir dessa articulação, preconizam que haja lugares de lazer e convivência, bem como atividades terapêuticas e projetos que, por sua vez, visam até mesmo uma preparação/inserção profissional. Num universo onde o social não escapa nem mesmo aos delírios, os laços sociais devem ser tecidos respeitando-se as expectativas, possibilidades, limites e preferências individuais, o que, no cotidiano, significa a possibilidade da aposta no saber e nas escolhas do sujeito.

É interessante notar que a psicanálise foi convocada e se apresentou para o processo de substituição do enfoque hospitalar do tratamento psiquiátrico pela assistência e cuidado em serviços abertos. Esta substituição é uma tarefa a ser concretizada em rede, a fim de evitar reinternações frequentes e a cronificação dos pacientes, o que implica estar fora de um ambiente físico delimitado, que supostamente controlaria de modo mais “eficaz”, as variáveis que supostamente, como em um laboratório, surgem nesse percurso.

Essa inserção é legítima, pois mesmo que as situações com as quais os pacientes tenham que lidar sejam embaraçosas, cabe ao A.T, e a toda uma gama de profissionais, encontrarem, na observação imediata da situação, o recurso do qual dispõe para produzir uma intervenção eficaz, apresentando então, um caminho: “É preciso que conheçamos de onde provêm e quais são as condições de emergência de nossas práticas para podermos desconstruí-las, reinventando nossos fazeres, nossa clínica.” (PALOMBINI, 2015)

É preciso pensar em muitas questões quando somos tomados pela temática da Reabilitação Psicossocial, no campo da Saúde Mental. Há conflitos que se atualizam de problemáticas que envolvem o trabalho com o louco, o que, no entanto, não nos impede de pensar e desenvolver projetos frutíferos e palpáveis. Sabe-se que o processo saúde-doença envolve também aspectos socioculturais e psíquicos, além do biológico. Desse modo, auxiliar a melhoria das capacidades das pessoas com transtornos mentais no que se refere à vida, aprendizagem, trabalho, socialização e adaptação da forma mais saudável possível, num processo pelo qual se facilita ao indivíduo com limitações, a restauração no melhor nível possível de autonomia de suas funções na comunidade, é algo que pude presenciar integrando a equipe do PAI-PJ.

PSICANÁLISE NAS INSTITUIÇÕES

Discursar sobre os usos da psicanálise em instituições de saúde, é importante para aquilo que sustenta o trabalho do PAI-PJ. A equipe se depara com o paradigma de que o próprio PAI-PJ é uma instituição que acolhe num espaço físico os seus pacientes, para além do trabalho do A.T, nos acolhimentos e espaços de escuta disponibilizados para orientar os acompanhados pelo programa. Além disso, tanto os pacientes quanto a equipe têm que lidar cotidianamente com as instituições que fazem laço com esse trabalho. Este é um nicho ainda muito denso, faz-se necessário, no fluir do labor cotidiano, “garantir que a psicanálise praticada nas instituições não se dissolva em outros discursos e práticas que estão a serviço do mestre moderno” (CRUZ, FERRARI, 2011) A posição subjetiva dos profissionais mediante à organização coletiva da equipe a partir de uma transferência estabelecida no trabalho faz circular o saber que advém do sujeito e não do profissional. A construção dos casos se dá a partir dos elementos fornecidos pelo sujeito, e não da convergência de saberes múltiplos dos profissionais que, no máximo, produzem um saber sobre o sujeito: “Essa construção é parcial e recorrente, e exige que se mantenha certa atenção e cuidado para possibilitar de fato um acompanhamento do usuário através da construção do caso” (VIGANÓ, 1999). Nesse âmbito, todos estão concernidos e implicados no processo de tratamento, “Mas o caso não é o sujeito e nunca um recobrirá o outro. O caso é sempre uma construção sobre o que se recolhe do sujeito, que anda na frente, se move, demanda, ou se esquiva, sempre surpreendente,” (FIGUEIREDO, 2015) sendo que os acontecimentos vão trazendo novos elementos para esse trabalho permanente. Sabe-se que a inserção da psicanálise no contexto das instituições é complexa e até mesmo polêmica, uma vez que o que concerne ao campo da saúde mental, no viés da práxis

psicanalítica nas instituições, demanda uma lida com uma gama enorme e heterogênea de peculiaridades que extrapolam as questões pertinentes ao específico da psicanálise. Há muitas outras variáveis e diferente daquelas que um analista encontra no seu consultório mas “quando o analista não recua frente às dificuldades, depara-se com o desafio de localizar o seu lugar na instituição sem perder de vista o específico de sua posição.” (MONTEIRO, QUEIROZ, 2015). Assim, para Eric Laurent (1999),

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A simples alteração do estado de desabilidade5 para o estado de habilidade, ou de incapacidade para a capacidade, não é suficiente – embora necessária – para ser considerada reabilitação. Essas conceituações têm que estar contextualizadas no momento histórico, na cultura da comunidade e no local onde ocorrem as ações para com o portador de transtorno mental. Afinal, “não há uma fronteira delimitadora dos que passaram a estar aptos e não aptos à vida, seja ela no âmbito pessoal, social, ou familiar” (SARACENO, 1996).
Sabe-se que uma estrutura clínica se define a partir do modo pelo qual um sujeito articula a sua posição de sujeito em relação ao jogo dos significantes e, trabalhando sob essa perspectiva, é que a equipe do PAI-PJ é capaz de auxiliar os sujeitos psicóticos a construírem suas próprias respostas. Dentre outras questões desenvolvidas a partir de um trabalho interdisciplinar, “estabelecer interlocuções a respeito do tema do acompanhamento terapêutico no âmbito da reforma psiquiátrica, mantendo aceso o necessário debate entre clínica e política, entre universidade e redes de serviços de atenção em saúde”, (PALOMINI, 2015) é também fundamental, pois revigora a dimensão de tratamento dos sujeitos inimputáveis. No âmbito da Reabilitação Psicossocial, é preciso estar atento ao inusitado, ao que não é possível de ser coletivizado pela equipe ou assimilado pelo sujeito.” (MONTEIRO, QUEIROZ, 2015). Outro aspecto considerado é a dimensão política do gozo porque este último “captura o sujeito em um determinado laço social.” (ROSA, 2015) Em se tratando das instituições, não basta apenas pensar sobre as instituições nas quais o sujeito é envolvido durante seu tratamento, “pois ele é ainda segmentado entre várias instituições, com perspectivas muito diferentes e independentes entre si, perpassadas por vários discursos como o da ciência, o da medicina, o do direito e, mais sutilmente, o da religião.” (ROSA, 2015). Assim, o PAI-PJ trabalha para que portadores de sofrimento mental com pendências judiciárias, (o “louco infrator”) tenham acesso à um tratamento digno e eficaz


5 De acordo com o prefixo des, pode-se definir desabilidade como a perda de habilidades, por motivos que podem ser orgânicos ou externos. (...) A desabilidade pode incidir na perda momentânea ou permanente das habilidades.



É essa a lógica de trabalho do PAI-PJ, orientado pela teoria psicanalítica, pelo trabalho em equipe, pelo desejo de cada um e pela experiência de cada dia.

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Recebido em: 15 de Setembro de 2015
Aceito em: 28 de Outubro de 2015





 
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