ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 02 Maio de 2007 a Agosto de 2007
 
   
 
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  . Artigo 04: Sessão Clínica: Subvertendo a lógica institucional.  
     
Arquivo em PDF com a íntegra do artigo
 
  Wellerson D. Alkmim  
 

Psiquiatra, especialista em Psiquiatria Social, Psicanalista, membro da
EBP e AMP, professor de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas de MG.
End: Av. Contorno 5351- sala 806, funcionários, cep 30 110-100

 
     
  Resumo:  
 

. O artigo explicita a origem e a constituição da Sessão Clínica, realizada no Instituto Raul Soares, com o objetivo de promover uma articulação de discursos, onde o “não-saber” de cada um possibilita a emergência da construção dos casos, introduzindo uma outra lógica em oposição ao funcionamento tradicional das equipes. Ressalta que a prática de muitos se difere da prática multidisciplinar por responder de um lugar de deserto-de-saber em oposição ao saber constituído sobre o paciente, constituindo uma verdadeira subversão.

 
 

Palavras-chave: Psicose, ideal institucional, laço social, psicanálise, reforma psiquiátrica.

 
     
  Abstract:  
 

. The review explains the origin & the constitution from ‘Session Clinic’ realized into the Institute Raul Soares , with the objective to promote an articulation of speeches , where the ‘unknown of each one’ allows the emergence from ‘construction the cases’ by an introduction of another logic in opposition of the traditional way of working of the staffs. It notes that the ‘practice of many’ is different from of ‘practice multi-disciplinary’ for answer to a ‘desert - of – know’ in opposition to the known already established over the patient, composing thus, one veritable subversion.

 
 

Key-words: Psychosis, institucional ideal; social sitring; psychoanalyses, psychiatric reform.

 
     

. Psicanálise aplicada, prática de muitos, construção do caso clínico e trabalho de rede, são operadores que organizaram a fundação da Sessão Clínica numa instituição pública de Saúde mental, o Instituto Raul Soares, que durante 5 anos realizou mais de 100 entrevistas com pacientes e discussões clínicas, além de outros tantos seminários. Acontecia semanalmente, como um espaço de recolhimento das demandas institucionais emergentes, casos clínicos mais complexos, sem muita resposta terapêutica, que colocam em cheque o funcionamento institucional e o das próprias equipes.

. A criação deste espaço se deu enquanto uma possibilidade de intervenção do discurso clínico na instituição, uma instituição marcada pelo discurso da norma, da disciplina e do saber universitário.

. Certamente o maior desafio do trabalho clínico encontrava-se neste confronto discursivo. De um lado, a preocupação com a ordem, o que confere grande poder disciplinar aos técnicos e corpo de enfermagem, além da forte presença do discurso universitário na formação de estagiários e residentes de psiquiatria, que se atrelam ao discurso médico, pela necessidade de uma organização identitária e pela imposição da produção de saber, próprio do período de formação. De outro lado, a proposta de um trabalho em equipe que operasse não com “reuniões de síntese do caso entre representantes das diversas disciplinas, mas reuniões clínicas onde estamos a pesquisar as invenções de cada sujeito”. (STEVENS, 2003, p.94)

. A Sessão Clínica é um convite, não a um embate pessoal imaginário, disputando quem é mais dono do saber, próprio do discurso histérico que aciona as rivalidades dentro da instituição, mas a uma articulação de discursos, onde o “não-saber” de cada um possibilita a emergência da construção de cada paciente.

. A criação desse espaço se deu por uma posição decidida da diretoria da instituição com relação à causa analítica, no entanto, foi difícil convencer os técnicos de que a Sessão Clínica deveria se constituir apenas como um espaço lógico, um operador clínico, sem ligação formal com a estrutura burocrática da instituição.

. Foi difícil também convencer a consultoria de planejamento estratégico, que os resultados alcançados eram particulares do caso a caso e que não era possível que isto se constituísse numa resposta universal tomada como um método único que abrangesse todos os casos, no sentido de uma resposta coletiva.

. Sabemos com Di Ciaccia (1998) que:

existe uma antinomia entre o trabalho de uma análise e o funcionamento de uma instituição, com duas saídas habituais: ou bem a instituição se torna uma sala de espera para analistas, ou bem desenvolve uma aversão sempre mais tenaz à análise e aos analistas. (CIACCIA, 1998, p.19)

. Desde o início, ficou claro que ao se construir o caso, várias questões entravam em cena. As discussões não mais se reduziam a estabelecer um diagnóstico, uma orientação medicamentosa e um ajuste do comportamento como elementos de definição da alta. Tomava lugar o dizer do paciente com todas as suas conseqüências, um querer saber qual o lugar ocupado na transferência por cada membro da equipe, desde os técnicos até os auxiliares de enfermagem. Estes permanecem mais tempo com o paciente, portanto, passíveis de recolher falas que não surgem nos consultórios, e, pela mesma razão, mais expostos aos efeitos transferenciais.

. Surgiam novas perguntas:

. Qual era o lugar de cada técnico e da própria instituição na economia de gozo desse sujeito? O que era possível mudar na lógica institucional para atender aos diferentes momentos clínicos desse sujeito, em vez dos pacientes serem obrigados a se fazerem caber nos projetos terapêuticos estabelecidos a priori?

. Como operar com a construção do caso clínico dentro da lógica de funcionamento de rede, para além de uma mera constituição geográfica dos dispositivos institucionais, onde o Outro se ofereça sempre como uma figura menos persecutória e cada vez mais possibilitador de uma construção subjetiva?

. Assim, percebemos que cada construção não evidencia apenas as questões clínicas particulares do caso, mas coloca em cena a lógica de funcionamento do Outro institucional, via de regra sustentada pelo discurso moral.

. Há sempre um “dono do caso”. São vários saberes constituídos sobre o sujeito, com conseqüente exclusão do saber desse sujeito, permitindo diferentes “projetos terapêuticos” para o mesmo. O Outro sabe muito e as passagens ao ato frente toda esta consistência são tomadas como transtornos de comportamento, que acionam sempre o discurso da norma.

. UMA VINHETA CLÍNICA:

. Canibal era o nome do enorme paciente que vinha para uma entrevista. O residente que o acompanhava tinha dúvida diagnóstica, pois além de um comportamento agressivo, não eram observados claramente delírios ou alucinações. O ponto que definiu a interrupção da entrevista foi quando o paciente se atira sobre o entrevistador, com um abraço muito forte e ao mesmo tempo cuidadoso. Na saída da sala, Canibal disse ao auxiliar que o acompanhava que teve que “conter o entrevistador”. Na construção do caso ficou identificado o ponto insuportável para o sujeito, naquilo que se referia ao seu encontro com o outro sexo e o que parecia apontar para o empuxo à mulher. Dois dos auxiliares de enfermagem presentes passaram a relatar alguns episódios do cotidiano, que só agora passavam a ter sentido, que eram as agressões do paciente no dia-a-dia da enfermaria desencadeadas sempre que ele era confrontado com situações que exigiam dele uma posição diante da definição sexual. Entenderam também que eles mesmos poderiam ser alvo do endereçamento do movimento pulsional do paciente. As agitações passaram a ter um novo sentido e uma nova maneira de lidar por parte dos técnicos.

. Passamos então a trabalhar em torno de temas que nos orientassem na construção do que estávamos denominando Sessão Clínica dentro da instituição e o primeiro que nos colocou a trabalho foi “A Instituição enquanto exceção”. Atualmente o tema é “A crise da Clínica”, e por fim, “As novas Psicoses Clássicas”.

. Os dois últimos anos nos colocaram diante de uma situação atual em que os quadros clínicos clássicos, na pureza em que foram descritos, são cada vez mais raros, e o que surge é uma clínica marcada pelas transgressões, passagens ao ato devido ao uso de substâncias químicas, dificultando o diagnóstico e introduzindo a necessidade de reavaliação da nossa prática. Vivemos o tempo da inexistência do Outro, com a produção de novos operadores clínicos e um convite a uma escuta mais cuidadosa, mais acurada a partir dos novos elementos dados pela segunda clínica de Lacan.

. Quanto ao primeiro tema, A instituição enquanto exceção, é um esforço de procurar localizar na trajetória do sujeito o lugar de significação que é atribuído à instituição e/ou aos membros da equipe. Com isso, o manejo é de buscar formas de ocuparmos a posição de menos 1 nesta rede de significações do sujeito.

. VINHETA CLÍNICA:

. J, com várias passagens pela instituição, passa a ser acolhido e seu alcoolismo se dissipa deixando surgir uma paranóia, mascarada pelo comportamento intempestivo do “alcoólatra”. Após sua alta, J passa a freqüentar o hospital nos fins de semana. A primeira resposta é dada pelo automatismo institucional: como ele não estava mais internado, estava em tratamento no hospital-dia, e o hospital-dia não funciona nos fins de semana, ele não podia entrar. Uma auxiliar de enfermagem que participara da construção do caso na Sessão Clínica, o acolhe e intervém no circuito de gozo mortífero deste sujeito que, sentindo-se solitário nos fins de semana, sem conseguir operar um laço social, bebia, se drogava e acabava se metendo em confusões, se envolvendo em situações de risco. A auxiliar, ao romper com o discurso burocrático, oferece a instituição como um lugar de apaziguamento e contenção de gozo, escutando o movimento desse sujeito desprotegido, que estabelecia uma estratégia de autodefesa contra o Outro que gozava dele no social.

. Todo o esforço é para introduzir a lógica da prática de muitos em oposição ao funcionamento tradicional das equipes.

. Esta parece ser a questão central de todo o trabalho de equipe. A prática de muitos se difere da prática multidisciplinar por responder de um lugar de deserto-de-saber em oposição ao saber constituído sobre o paciente, por cada membro da equipe, em que os técnicos se constituem como significantes-mestres, estímulo às identificações persecutórias e erotômanas, impedindo que o sujeito produza seus próprios significantes.

. Segundo Di Ciaccia (1998):

Esse trabalho feito por muitos tem seu fundamento em um outro discurso, o discurso analítico, que é o avesso do daquele do mestre. É um trabalho que se sustenta não no Um do Mestre, mas na falta desse Um do Mestre. Não se sustenta em A, mas em S(A) ... (CIACCIA, 1998, p. 61)

. Uma formalização deste trabalho feito por muitos, encontramos em Baio (1999) que diz:

“se o discurso do analista não é aplicável ao sujeito psicótico, a partir de que discurso operar então? A partir da proposição de Jaques Alain Miller, de reescrever o esquema L de Jacques Lacan com o discurso do Mestre ...

a prática com vários tenta um forçamento do discurso do Mestre substituindo S2 por um outro saber, um saber que não é mais orientado pelo objeto a, mas que é um saber dizer sim à enunciação do sujeito psicótico, um “saber dizer sim” à sua construção sintomática, para fazer, a partir de uma posição de S(A), um ato disso. O que dá :

Os educadores (técnicos) estimulados a ocupar o lugar de S (A), tentam operar a partir do campo do sujeito, fazendo-se de seus parceiros para “dizer não” a quem quer que surja numa posição de saber, de querer, de desejo para o sujeito psicótico, para deixar, ao contrário, surgir o direito do sujeito à sua iniciativa de enunciação. E, também, para se fazerem guardiões de sua construção... os educadores são chamados a encarnar uma posição de não-saber como condição para que o sujeito psicótico se autorize a uma tentativa de enunciação, para além de todo enunciado, para além de toda identificação.” (BAIO, 1999, p. 71)

Para além dos efeitos clínicos e da possibilidade de uma operação discursiva dentro da instituição, a Sessão Clínica provocou o empuxo ao trabalho, causando alguns profissionais a produzirem monografias, dissertações de mestrado e uma pesquisa a partir dos impasses clínicos e teóricos surgidos ao longo do percurso. Houve ainda a formação de um cartel que teve como um dos efeitos, a sustentação desse espaço de produção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAIO,V. (1999) “O ato a partir de muitos”. Curinga, EBP-MG, no.13 , set, p.71.
DI CIACCIA, A. (1998) Dela fondation par Um à la pratique à plusieurs-Preliminaire.1998, p. 19.
STEVENS, A. (2003) “L’instituition:la pratique de l’act”. IN : Pertinences dela psychanlyse Apliquée : Éditions du Sueil, mai 2003, p.94.

 
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